Sindicato do Comércio Atacadista, Distribuidor e Atacarejo no Estado de Goiás
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Resiliência e atenção ao negócio garantem longevidade

Garantir a longevidade das empresas brasileiras ainda é um grande desafio. Pesquisas mostram que completar o primeiro ano de vida, definitivamente, não é para todas. Segundo o Mapa de Empresas do Ministério da Economia, no primeiro quadrimestre de 2021, 22,9% a mais de empresas fecharam no Brasil na comparação com o mesmo período do ano anterior.

Contar o tempo em décadas é raro em qualquer setor e se aproximar dos 100 anos, então, uma façanha. Mas o que caracteriza essas empresas, o que elas têm em comum e podem ensinar, especialmente agora, quando atravessamos a mais avassaladora crise humanitária e econômica dos últimos 100 anos?

Em Belo Horizonte, a Casa Salles é uma dessas raridades. Na verdade, o primeiro registro da empresa se deu em 1881, em Ouro Preto, então capital do Estado. A companhia seguiu a mudança da sede administrativa e instalou-se na região que hoje conhecemos como hipercentro – no encontro das ruas São Paulo e Caetés -, em 1904, onde está até hoje.

De acordo com o atual diretor, Guilherme Salles, construir uma identificação com a cidade e compreender o momento pelo qual o consumidor está passando é fundamental para manter o comércio vivo e atravessar aquele que foi definido pelo historiador Eric Hobsbawm como “a era dos extremos ou o breve século XX”. E foi a mesma receita que valeu para que a empresa sobrevivesse aos tempos de isolamento social e crise econômica dos últimos dois anos.

“A primeira coisa é tratar o cliente como pertencente à empresa. Quando começamos, éramos a única loja de secos e molhados em BH, que ainda era uma cidade muito pequena. Fomos criando uma identidade e uma fidelidade. A estratégia agora é a mesma. A tecnologia agora é uma bênção e continuei acessando meus clientes por meio dela, quando ficamos impedidos de abrir as portas. Muitos clientes sentiram vontade de ajudar por causa da nossa importância na história da cidade.

Alimentos

Já a história da Vilma Alimentos está à beira de completar o centenário, marcado para 2025. Tudo começou com uma pequena fábrica de massas, que foi transferida para Contagem, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), em 1952. Atualmente, a indústria abriga mais de 2 mil colaboradores diretos e 700 indiretos.

Para a presidente da Vilma Alimentos, Patricia Costa, parte da receita da longevidade é o amor pelo negócio. E outra parte consiste em resiliência a olhos atentos às oportunidades que cada época apresenta.

“Tem o gosto pelo que fazemos, pela empresa, pelo negócio. Se não existe esse amor, o negócio não vai para frente. É assim que a gente consegue arranjar os meios. Cada geração tem as suas questões e dificuldades. O setor de alimentação é um mercado com margens muito estreitas e nós, que estamos no meio da cadeia produtiva, temos que trabalhar com muita dinâmica para não sermos achatados. Entendemos a necessidade do consumidor, mudamos de segmento ao longo do tempo. Foi assim com a compra da Pirata (indústria de temperos), diversificando a linha de produtos. Agora os biscoitos, aumentando a cadeia do trigo, com um produto de consumo direto. Em um país de economia instável precisamos oferecer produtos com qualidade diferenciada e preço competitivo”, afirma Patrícia Costa.

Para completar outro ciclo igualmente vitorioso, a empresária não quer mexer muito na receita. Este semestre entrou em operação a nova planta da empresa em Betim, na RMBH. O investimento de R$ 220 milhões gerou um empreendimento de 50 mil metros quadrados de área construída e uma reserva legal de igual tamanho. Já foram gerados 160 empregos e a previsão é que o número chegue a 400 quando a produção estiver a pleno vapor.

“Ainda buscamos o mesmo: fazer parte da vida do consumidor, oferecendo o melhor produto – saboroso, com segurança alimentar – para cada momento do dia. A pandemia e a guerra (entre Rússia e Ucrânia) seguem impactando os custos de produção. Tivemos um aumento de 100% no preço do trigo e açúcar. É um momento em que as empresas precisam ter calma”, pontua a presidente da Vilma Alimentos.

E é com esse mesmo espírito aguerrido que também segue a Casa Salles, apesar das dificuldades enfrentadas pelos comerciantes instalados no centro da cidade.

“Infelizmente o centro está esvaziado. Essa degradação já vinha acontecendo mesmo antes da pandemia. Eu não tenho a intenção e nem o desejo de deixar o nosso endereço histórico, mas é possível que tenha que levar o negócio para outra região da cidade e transformar a nossa loja em um espaço de memória. O centro precisa ser revitalizado. Ter um bom comércio é determinante para a economia da cidade. O comércio vive da experiência e para isso as pessoas precisam se sentir seguras. Por esse carinho por BH, por entender que as histórias são interligadas, é minha obrigação como gestão manter esse ponto”, completa o diretor da Casa Salles.

Olhar aguçado é aliado da perenidade

Nascida na primeira década do século passado, a Casa Falci, também no hipercentro, literalmente acompanhou a construção da Capital. Presidida hoje por Bruno Falci, membro da quarta geração da família e com a quinta geração já participando da gestão da empresa, a antiga loja de material de construção deu origem a mais uma marca que faz parte da história e do imaginário de quem vive em Belo Horizonte.

“Eu acho que nesse caminhar longo, o fator principal é o fato de sermos uma empresa familiar com o nome da família. Ter o nome Falci dá uma responsabilidade e estímulo a mais na hora boa e, principalmente, na ruim. Além disso, a nossa capacidade de adaptação. ‘Empresas como nós’, conseguiram se adaptar. Somos amigos de infância da cidade. Participamos de toda grande construção em Minas: o Grande Hotel de Araxá, a Torre do Belvedere, o Mineirão, o Centro Administrativo, o Pirulito da Praça Sete. Vendemos material de construção, algo perene, que se valoriza ao longo do tempo. Essa foi uma escolha muito feliz”, destaca Falci.

Material elétrico

A “caçulinha” dessa turma é a Loja Elétrica, que em 2022 completa 75 anos. Especializada na distribuição de materiais elétricos, conta, atualmente, com cerca de 1.400 colaboradores, 11 filiais na Grande Belo Horizonte, uma em Uberlândia (Triângulo Mineiro) e outra em Ipatinga (Vale do Aço), e 10 lojas dedicadas (in company) que ficam dentro de mineradoras, siderúrgicas, cimenteiras e indústria de celulose, além do Centro de Capacitação em Tecnologia (CCT), que oferece cursos para eletricistas e técnicos. Possui ainda o maior centro de distribuição do seu tipo na América Latina, com capacidade de armazenamento para mais de 50 mil itens.

Segundo o diretor-geral da Loja Elétrica, João Flávio Matos, a empresa, que começou “no meio do mato”, em Rio Acima, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), produzindo carvão vegetal, passou por diferentes fases depois de se mudar para a Capital e foi unindo resiliência e um olhar aguçado para o negócio que chegou até aqui.

“Depois de ser um bar e um armazém, a empresa precisava, mais uma vez, mudar. Em 1954 meu pai teve uma boa intuição. Viu no jornal o anúncio de um fundo de negócio de uma loja de material elétrico, no bairro Floresta (região Leste), que virou uma sessão do Armazém Dias, na avenida Santos Dumont. Naquela época, Juscelino Kubitschek era o governador e fundou a Cemig. A partir daí começou a ter demanda de material elétrico no interior. O nosso ponto era bom porque ficava entre a estação ferroviária e a rodoviária. O segredo era que o pessoal tratava as pessoas bem, com honestidade e informação confiável. A propaganda foi no boca a boca. E foi assim que nos tornamos a Loja Elétrica”, descreve Matos.

As agruras das crises econômicas do século 20, a instabilidade política do País no período, as trocas de moeda, entre outros percalços, formaram o caráter resiliente da empresa e as práticas de governança austeras que permitiram que a maior das crises, a pandemia de Covid-19, fosse atravessada não sem medo e dificuldades, mas com bons resultados.

“Todo empreendedor tem que ser resiliente e saber que existem as fases das vacas magras e das gordas. Mantenha o nível de endividamento controlado, no máximo no peito, não deixe chegar no queixo. Trate bem e não engane o cliente. Tem que procurar atendê-lo em tudo para que ele se torne fiel. E também tem que cuidar dos funcionários. Logo no início da pandemia houve medo. Passamos a procurar saber mais sobre a doença. Houve redução de vendas, mas estávamos seguros. Hoje temos pessoas das quatro gerações trabalhando juntas. Isso é bom porque vamos passando a filosofia da empresa, treinando aos poucos os mais jovens. Ir de uma forma mais natural é muito importante, mas é preciso acompanhar as mudanças tecnológicas, sempre estudando. Empresa não é mina de ouro, foi feita para servir à sociedade. Tenho medo de crescimento vertiginoso, é melhor ir aos poucos com segurança”, ensina o diretor-geral da Loja Elétrica.

Ter sido classificada como integrante de um setor essencial durante a pandemia ajudou tanto a Loja Elétrica quanto a Casa Falci. O home office e o estudo remoto fez com que as pessoas ficassem mais dentro de casa e precisassem adaptar ou até mesmo reformar os ambientes.

“A pandemia foi uma coisa nova para todo mundo. O setor de construção se saiu melhor porque as pessoas viram o quanto é importante ter uma casa bem arrumada. Em 2020 perdemos receita e em 2021 recuperamos. Este ano, pelo nosso desenvolvimento em mídias digitais, maior mix, adequação do preço, continuamos crescendo. Um dos grandes problemas da mortalidade das empresas é a sucessão. Esse momento tem que ser preparado para a chegada de uma pessoa com novas ideias e características. Manter o foco, a atenção, o zelo pela empresa, pelo nome é muito importante”, pontua o presidente da Casa Falci.

Fonte: Diário do Comércio